02/09/2021

Avanço da leishmaniose requer maior atenção em Três Lagoas

Situação exige que haja esforço constante de vigilância em saúde, educação, comunicação e manejo ambiental

Doutores Osias e Euribel, o autor do estudo Luís Fernando e as doutoras Lourdes e Eliane (Foto: Cedida)

 

O resultado de estudo científico mediante análise clínica, epidemiológica e geoespacial dos casos de leishmaniose visceral (LV) no município de Três Lagoas aponta para a necessidade de esforço constante das autoridades em programas continuados de vigilância em saúde, educação, comunicação e manejo ambiental. Outro dado gerado e de importante contribuição para a cidade portal do Mato Grosso do Sul, pela rodovia Marechal Cândido Rondon, é da identificação de áreas de risco na área urbana, capaz de definir onde os esforços devem ser concentrados e que reforçam a necessidade de reavaliar as estratégias utilizadas para o controle da doença. São informações que servem para tomada de decisão dos gestores, bem como uma melhor aplicação de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Junto ao mestrado de Ciências da Saúde na Unoeste em Presidente Prudente, a pesquisa foi realizada pelo médico cardiologista e intensivista Luís Fernando Baldino Lopez que morou em Três Lagoas, antes conhecida como capital do gado e hoje capital da celulose, e lecionou na Universidade Federal até 2019. Atualmente trabalha no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e Secretaria de Estado da Saúde. A orientação foi da professora biomédica e doutora em ciências tropicais Eliana Peresi Lordelo e teve a coorientação do professor médico infectologista e doutor em imunologia Luiz Euribel Prestes Carneiro.

O estudo levou em consideração que a LV é um problema de saúde pública de importância mundial e o Brasil possui cerca de 97% dos casos da América Latina. A doença está presente em quase todos os estados brasileiros. No Mato Grosso Sul é um grave problema de saúde pública e algumas cidades são consideradas endêmicas. Três Lagoas está localizada em uma região estratégica, sendo ponto de partida e de chegada para todas as regiões do Brasil, estando localizada na divisa entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, à beira da Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, conhecida como Usina Jupiá, e do grande lago artificial sobre o rio Paraná, formado pela Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, também chamada de Primavera.

Problemas antigos

A cidade é servida pela rodovia transversal brasileira BR-262 que interliga os estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul, com diferentes nomes em trechos ao longo dos mais de 2,2 mil Km. Começa em Vitória, no Espírito Santo, passa por Belo Horizonte, Uberaba, Três Lagoas, Campo Grande e termina em Corumbá, junto à fronteira com a Bolívia. Um corredor forte da economia brasileira, no qual a cidade objeto de estudo está inserida e na qual em 2010 a indústria da celulose chegou com tamanha intensidade, ao ponto de ser cognominada rainha mundial da celulose. Mas, apesar da geração de emprego e renda e da melhoria da qualidade de vida, problemas antigos foram agravados.

Com a construção de grandes indústrias de celulose e a mudança da paisagem de grandes fazendas de pastagens e criação de gado para a monocultura do eucalipto, levas de trabalhadores chegaram na região e com elas doenças transmitidas por vetores como dengue e leishmaniose visceral. Fatores sociais e ambientais como as três lagoas que se encontram na área urbana ou peri-urbana contribuíram para o avanço da LV na cidade e de Três Lagoas a doença se espalhou para o estado de São Paulo, seguindo a rodovia Marechal Cândido Rondon, e mais recentemente alcançou o oeste paulista, na região de Presidente Prudente. Foi para entender esse processo e traçar estratégias que ajudem no controle da doença que foi realizado o estudo mediante análise clínica, epidemiológica e geoespacial.

Atuação in loco

Médico autor da pesquisa, Luís Fernando acompanhou, diagnosticou e tratou os primeiros pacientes com a doença na cidade e viu sua evolução ao longo dos anos. Foram realizados estudos sobre os vetores (mosquito palha), cães infectados e humanos na área urbana da cidade.  Os dados de leishmaniose visceral canina e do mosquito palha foram obtidos no departamento de vigilância epidemiológica municipal e os dados de LV humana (LVH), através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Foi realizada também análise espacial a partir da quadra onde os moradores infectados moravam para detectar possíveis áreas de risco e vulneráveis à doença.

Entre 2007 e 2018, foram diagnosticados 211 indivíduos com LVH, sendo o maior número em 2008 e a maior taxa de morte ocorreu em 2013. Homens representaram 59,7% dos infectados com maior predominância da cor branca. A maior incidência ficou entre 15 e 19 anos e os principais sintomas foram febre, emagrecimento, fraqueza e aumento do fígado e baço. O antimonial pentavalente foi a droga mais utilizada no tratamento dos pacientes que moravam predominantemente na zona urbana. Na distribuição geoespacial foram encontrados três pontos de altíssima concentração de pessoas infectadas, sendo dois na periferia da cidade.

Esforço constante

Entre 2000 e 2019 foram 2.681 cães diagnosticados com leishmaniose visceral canina (LVC). Em 2019, 26,2% das armadilhas instaladas apresentaram vetores de Lutzomyia longipalpis (mosquito palha). Com condições ambientais e socioeconômicas favoráveis, a leishmaniose visceral vem se tornando uma nova realidade no município de Três Lagoas. Fato que requer esforço constante das autoridades em programas continuados de vigilância em saúde, educação, comunicação e manejo ambiental, conforme aponta o estudo científico e que representa importante contribuição para as políticas públicas de saúde na cidade. 

Além do autor e dos orientadores, houve a colaboração da aluna da Faculdade de Medicina de Presidente Prudente (Famepp/Unoeste) envolvida em iniciação científica Ana Lúcia Kawaminami Lopez e do Dr. Edilson Ferreira Flores, do Departamento de Estatística da Faculdade de Ciência e Tecnologia, campus da Unesp em Prudente. A dissertação do autor do estudo foi avaliada e aprovada pelo Dr. Osias Rangel, da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) em Campinas (SP), e pela Dra. Lourdes Aparecida Zampieri D’Andrea, pesquisadora do Instituto Adolfo Lutz - Centro de Laboratório Regional de Prudente. A obtenção do título de mestre em Ciências da Saúde contribuiu na contratação de Luís Fernando como professor de cardiologia na Uninove.


Legenda: Doutores Osias e Euribel, o autor do estudo Luís Fernando e as doutoras Lourdes e Eliane
Créditos: Cedida